OBRIGADO POR SUA HISTÓRIA

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Entrevista com Renata Andrade - 2012


Tive o prazer de conhecer  Renata Andrade, e venho acompanhando um pouco de seus passos artísticos. Uma pessoa de fala leve e que é um turbilhão por dentro. Solidária e curiosa, tem aquele jeitinho de “criança louca para botar o dedo no bolo de chocolate da aniversariante”... Sempre que a encontro, rimos muito e falamos com gosto, da arte de narrar. Então, decidi, entrevistá-la para que vocês a conheçam melhor.


Cenas de "Cordel do Amor sem Fim", montagem do Teatro Trupiniquim, 2010 - foto de Alexandra Arakawa.
Renata Andrade é atriz, contadora de histórias e educadora, nascida interior do Rio de Janeiro, Volta Redonda, onde teve seus primeiros contatos com o teatro. Em 2002 chegou ao Rio e atuou em dois espetáculos do Gene Insanno Cia Teatral; em um deles foi apresentada à linguagem da Contação de Histórias.
Entre 2003 e 2007 graduou-se em letras na UFRJ, fez técnico de atores na Martins Pena e cursou especialização em latim na UERJ. Na Martins, ganhou um papel que a marcou, a Mãe em Bodas de Sangre, dirigida por Monica Lazar, e conheceu artistas com os quais tem trabalhado até hoje. Na UFRJ, contou histórias no IPPMG junto à pesquisa sobre Literatura Infantil. Em 2005, começou a narrar histórias no Sesc-Bm e de lá para outros lugares.
Entre 2009 e 2011, foi Contadora de Histórias no PCP-Maré. Em meados de 2009, começou a lecionar. Paralelamente a estes dois trabalhos, dirigiu a produção de A última Flor, no Teatro Gláucio Gil. Após o espetáculo adentrou o Teatro Trupiniquim, a convite de KarolSchittini.
Neste coletivo de artistas, atuou em Cordel do Amor sem Fim; Rosa dos Ventos; Pierrot, Arlequim e Colombina, A Boca da Noite e MBOIOBM (prática de sua pesquisa artística pessoal).


Na Boca da Noite - 2012 - Foto de Wallace Feitosa.
Jiddu Saldanha – Fale um pouco do que te motiva a dedicar-se à arte de narrar histórias.
Renata Andrade - Contar histórias é uma oportunidade de entrar em comunhão com as pessoas, falamos de coração a coração sem barreiras. Eu me abro pra elas. E regozijo-me quando elas se abrem para mim.E tudo que vivemos ali é verdade.

Jiddu Saldanha – Como você escolhe uma história pra contar? Que tipo de estímulo te leva a optar por uma ou outra história?
Renata Andrade - Acontece quando vejo na história a possibilidade de colocar algo que me está encucando no momento.
O Pinto Suraeu escolhi por ele me fazia rir em sua fraqueza, mas também era um personagem audaz, pegou um desafio e foi. Adoro histórias de macaco, porque ele vai além no imaginar-fazer e também porque suas histórias possuem antagonistas recorrentes. Na medida que os conhecemos em uma história saberemos como eles agirão em várias, daí uma história puxa a outra.
Às vezes escolho porque a história me faz expressar um sentimento que está preso dentro de mim, para elaborar-me; outras vezes porque quero brincar com um ritmo. E um tema que me encanta. Mas dificilmente será porque alguém me pediu.

JS -Você está estudando a fundo o mito da Cobra Grande, fale um pouco sobre isso e porque escolheu este mito?
RA - Considero-me bem no início da estrada que quero descobrir, há muito a ver e quero contar pra vocês. Encanta-me que se trate de uma personagem de criação coletiva (pois se mantém viva através da tradição oral) e pode refletir parte da psicologia humana, portanto particular, ao mesmo tempo em que é um bom entretenimento, com atos de bravura, romance, inveja e encantamento.
A Cobra Grande está ligada aos mitos de criação do homem e do mundo tal qual o homem sabe, com dia e noite, vida e morte, sujeito carregado de bem (conhecido) e mal (desconhecido); isso pode até soar maniqueísta, embora não seja tão simples assim.Na língua tupiela já recebeu três nomes,Mboiguaçu (Cobra Grande), Mboiuna (Cobra Preta) eMboitata (Cobra de Fogo).  Ao unir os contos dessa figura recolhidos por todo o Brasil, comecei a traçar um perfil do personagem.
A história dessa cobra se assemelha às narrativas de outras partes do mundo. Na África, conta-se que embaixo da terra, em seu centro, há uma cobra que circula o tempo todo, atrás de seu próprio rabo, dando voltas no mesmo lugar. Enquanto esta cobra continuar circulando, a terra prospera. Quando ela parar, tudo que é vivo morre.
Como símbolo, a serpente é oposta e complementar ao homem, está diretamente ligada à parte que desconhecemos. Interessa-me metaforizar, através destas histórias, como a serpente habita um sujeito enquanto pulsão de vida eseus ritos de passagem - da escuridão à luz e vice-versa.
Como parte prática desta pesquisa, trabalho com mais um ator em A Boca da Noite e MBOIOBM, uma performance que criei motivada pela pergunta que desejo deixar como refletida ou sentida de alguma forma no público: Como esta serpente circula dentro de mim?

Mostra do saber popular 2012 foto de Ana Paula Silva
JS – Quais os narradores de história que você admira? Fale um pouco da experiência de tê-los assistido.
RA - Sou grata por ter amigos contadores de história que admiro. É interessante que cada narrador, bom narrador, conta sempre de um jeito muito próprio. Só ele conhece a história desse jeito.
Jiddu Saldanha, conhece? O cara conta história com o corpo e, nas apresentações que eu assisti, sua narrativa tinha uma estrutura quase pedagógica,um disseminador de conhecimento.Parecia que, ao sair dali, as crianças estavam prontas para recontarem a história que ouviram.
Bernardo Zurk conta com uma aparente ingenuidade cômica. A gente não acredita que ele vai fazer aquilo. O que parece simples, na verdade está carregado de técnica (depois ele me mostra). E funciona de tal forma, que quando ele repete a história te parece simples de novo.
A Solange Penna conta de umaforma muito divertida,careteira e musical e diz que não é contadora (lorota né Solange). A Silvia Ferraz, do Baú que Conta, é capaz de desenrolar o fio da história por muito tempo mesmo, de tal forma que você fica com ela por todo esse tempo.
Agora, uma que não é minha amiga(mas eu queria muito conhecer) é a Dona Zefa. Assisti suas contações em um vídeo que acompanha o livro “Corpo a Corpo” de Zeca Ligièro - Professor da Unirio e Diretor Teatral - e também pude ouvi-lo falar dessa figura. Dona Zefa é contadora de fato, parece até que nasceu assim. Desde menina, ela conta histórias incríveis inspiradas na bíblia e na sabedoria popular. E conta como se os personagens e o causos fossem acontecidos ainda agora, como se fosse a história de um vizinho nosso. Parece uma daquelas vozes saídas das histórias coletadas por Câmara Cascudo, Simões Lopes Neto e outros.
Assistir essas pessoas em histórias diversas faz a gente conhecer um pouco delas. E daí me dou conta que quem me ouve contar também sabe de mim. Essa troca é linda, não deve parar.

Renata aguarda o momento de entrar em cena para o seu espetáculo de narração atual "A Boca da Noite" 2012 foto de wallace feitosa.
JS – Faça sua lista de filmes preferidos.
RA - São muitos outros fui descobrindo, mas os queme vêm mais frequentemente são: O Fabuloso Destino de Amelie Poulain, de Jean-Pierre Jeunet; Cenas de um Casamento, Gritos e Sussurros e Persona, de Bergman; O Carteiro e o Poeta (Mássimo e a melhor explicação do que é metáfora), de Michael Radford; Tudo sobre minha mãe, de Almodóvar;La Strada, de Fellini; Humberto D, de Vittorio de Sica; O Casamento de Maria Braun, de Fassbinder; O Sopro do Coração, de Louis Malle; Como água para chocolate, Alfonso Arau; e vai por aí...

JS – O que você recomenda para as pessoas que estão começando a lidar com a arte de narrar histórias?
RA - Ler, ouvir, ver, sentir o que vem de fora a partir do que vem de dentro. Que a sua história seja singular. E não feche uma história, tenha a delicadeza de deixar uns espaços nela. Ela sempre pode mudar, pois cada público que te ouvir se encarregará de fazer sua contribuição ou novos espaços; e porque o que é verdade para nós também muda com o tempo.Ninguém é. Estamos sendo.

JS – Você se dedica à educação e ao teatro, como é se equilibrar no universo da pedagogia e o universo da arte, pra você?
RA - É muito difícil, pois estes ofícios se desencontram no tempo-ritmo que exigem da nossa vida. Encontram-se, porém,na ludicidade e no potencial transformador da sociedade que têm.
Tem muito suor e rotina no trabalho do professor. Atualmente, estetrabalho requer uma carga horária em bloco e, por isso, tem que se criar pausas, pequenos descansos para não virar tijolo ou argamassa da educação. Nestas condições,meu desafioé tomar a preparação pontual como processo.
E a arte precisa estar comigo a todo momento, na verdade, eu é que preciso estar com ela, respirá-la. Minhas apresentações duram de 40 a 60 minutos e são preparadas por muito mais tempoque isso, às vezes, o envolvimento com uma história leva anos.Já as aulas costumam ser preparadas por ¼ do tempo utilizado para se manifestarem. Pergunto-me sempre como unir estes universos.
Ser bipolar ou desenvolver dupla personalidade não resolve. Tenho lidado com isso respirando as duas coisas, entendendo-as como uma só: o movimento de transformação lúdica do real, com roteiros diversos adequados a cada público, tema, situação.Mas isto também é projeto de pesquisa e prática contínuo.

JS – Quem é Renata Andrade por Renata Andrade?
RA - Renata não é.  Já digo que ela detesta que a caricaturem com um único adjetivo, dá logo um montão ou dê nenhum. Dramática, alegre, insegura, criativa, inquieta, metafórica, capaz, doce, direta. Até parece bailarina, mas não é, não tem cara de atriz, nem de professora, menina, mulher, tia, amiga, filha. Prepotente propensa comunista que ganha o capital de cada dia, crê que nenhum desejo foi, nem é grande demais (pra ninguém no mundo). É a vida que diz isso enquanto se respira. Mas os outros causam um puta medo. Será que concordam?
Mas já que é Renata por Renata, digo que assumi a etimologia do nome, com o compromisso de renascer quando sinto que morri. Parece lógico. Que bom. Aceitar a morte para receber a vida. Os contos de fada nos ensinam que essa é uma forma de ouvir a intuição. E, sim, eu sou laranja e um pouco de lilás também.

Veja alguns vídeos com a participação de Renata Andrade.



Cordel do Amor sem Fim - Teatro Trupiniquim