OBRIGADO POR SUA HISTÓRIA

domingo, 16 de agosto de 2009

Entrevista com Tatiana Henrique!















Observo o trabalho de Tatiana Henrique por pelo menos 5 anos, resolvi então entrevistá-la para que os leitores do blog Mestres Narradores a conheçam melhor.


Mestres Narradores – Como foi que você começou a lida de contar histórias por aí?

Tatiana Henrique - Foi assim: antes da contadora, veio uma menina tímida, tímida, que ouvia a prima contar piadas. Eu achava lindo, a minha prima fazendo expressões várias, usando as entonações de voz (na época, claro, eu não dava esse nome para essas coisas, mas percebia todos esses movimentos e ficava encantada com isso – como podia? Ela contar daquele jeito?)...
Só tinha um problema – em mim!: Eu não conseguia memorizar nenhuma piada! Nem reproduzir aquilo que via – pois é, eu fui aprender depois que, para contar qualquer coisa, você tem de estar envolvido com essa história e não apenas contar por contar...
E mais: a menina era tímida, e foi crescendo assim, com vontade de contar, de fazer as pessoas rirem do que ela falava, de se comunicar de alguma maneira.
Vida vai, vida vem, muita água rolou por baixo da ponte. E chegou um dia que eu decidi: iria fazer teatro. Foram os anos mais completos da minha vida. Como era feliz não ter dinheiro, mas ensaiar, ensaiar e apresentar o trabalho.

MN – E enquanto isso você buscava uma definição profissional?

TH - Tentei vestibular e não passei, e então me vi assim: com 20 anos e uma necessidade interna de não ficar sem emprego e nem faculdade, ou seja, começar uma trilha profissional. Então, decidi: vou começar pelos textos. E entrei para a faculdade de Letras.
Foi muito triste, pois sabia que não iria mais ter o tempo disponível que eu tinha antes. Que eu teria de parar mesmo.
Aí, olha só o que acontece: meu companheiro na época disse: “Ah! Você ainda pode contar histórias!” Eu fiquei tão injuriada quando ele me disse aquilo! Senti como se fosse um palavrão – eu não sabia o que era isso e pensava ser algo de “categoria menor”.
No 2º período, entrei para o CCBB e progredindo, fui para no Setor Educativo. Houve uma reformulação da proposta pedagógica e dentro dela foram incluídas as contações de histórias. Então, de repente, comecei a me envolver com isso, já que vinha de dois campos que convergiam para aquilo: Letras e Teatro.

MN – E ai você foi descobrindo que era uma narradora em potencial?

TH - E fui aprendendo, na prática, no contato com as pessoas, a ouvir as histórias e a transformá-las em contação. E foi ótimo, porque, como eu não fiz nenhum curso para “aprender”, eu tinha de ficar atenta a tudo e testar tudo que aparecesse: objetos, músicas, figurinos etc. etc. A única oficina de contação de histórias que fiz na vida foi com Francisco Gregório, no Paço Imperial, RJ. Mas nesse momento eu já tinha uma linguagem, já havia encontrado a minha praia, a minha simplicidade: o corpo! O meu figurino a partir de então era apenas para me dar liberdade, me deixar esteticamente apresentável ao público, as músicas não eram só para divertir ou acordar ou quebrar momentos, mas se tornaram texto também. Enfim, fui modelando o meu modo de contar, no qual eu acredito: uma conversa íntima de troca de experiência com o corpo imbuído 100% nas delicadezas e forças das palavras.

MN - Parece que pintaram umas viagens neste período, não?

TH - Em 2005, a coisa pegou uma cauda de estrela e foi pro céu: uma equipe do Miami-Dade Public Library System veio ao Brasil visitar vários locais e entre eles, o CCBB. Eu fiz a apresentação do espaço com eles e começamos a conversar sobre as atividades e eu falei sobre as nossas contações, a tradição oral. Foi quando a Sra. Lucreece Louidshon, diretora do Sistema contou o motivo da vinda deles ao Brasil: era o 5º ano que eles realizavam o “The Art of Storytelling”, um festival de contação de histórias, promovido por esse sistema de bibliotecas. A cada ano, um país diferente era homenageado e na edição de 2006 seria o Brasil. Por isso, eles estavam nos visitando para conhecer os aparelhos culturais disponíveis e escolher... um contador de histórias para representar o país no festival e... achavam que haviam acabado de encontrar!

MN - Quais histórias você contou no The Art of Storytelling?

TH - Contei duas histórias: “a menina e a figueira” e “mãe d´água”.
Vou te dizer: fiquei muito preocupada antes de acontecer. Isso porque eu sabia como o público brasileiro normalmente reagia a essas histórias. Mas, lá?! Como seria?
Eu tinha me formado em 2004 e escrito a minha monografia “Contando com o Espaço”, em que falava sobre o papel das configurações espaciais na relação entre contadores e público (um dia ainda transformo em livro). Havia estudado sobre as diferenças culturais de tolerância à proximidade e esses estudos diziam: cada povo encara isso de modos distintos. E fiquei “encucadíssima”, pois no princípio de intimidade, que eu seguia, eu tinha liberdade de me aproximar das pessoas. E lá?

MN – Como eles reagiram?

TH - Pois eu tive uma surpresa maravilhosa: eu aprendi que o mais de tudo é a história e não importa onde a história nasceu ou foi falada: todas elas falam de seres humanos, das suas alegrias, desejos e frustrações. E qualquer ser humano, tenha nascido no Brasil, nos EUA ou na Groenlândia tem sentimentos. Ponto!
E foi uma delícia: todo mundo recebeu as histórias super bem!
Depois disso, recebi mais dois convites: para a Miami Book Fair e para o PanAfrican Book Fest, os dois em 2007. Contei nesses eventos e em escolas. Aí veio a crise nos EUA e os cortes e daí vai!
E o trabalho começou a crescer e crescer muito.
Meu próximo desejo é ir à África norte-ocidental e à Índia para observar os contadores de lá. As oficinas que eu compartilho são em cima dessas duas culturas: a tradição oral e os princípios “griot”, o que podemos aplicar nos dias de hoje, e os ensinamentos do Natya Shastra – estou em busca alucinada por esse.

MN – Como você vê hoje o universo dos contadores de histórias desde que você começou até hoje?

TH - Acredito que houve uma tomada de consciência das tradições por parte dos jovens. E acho isso importantíssimo, não só por motivos profissionais, mas para a construção de identidades. Assim, há um equilíbrio saudabilíssimo entre as tecnologias e tudo que elas podem nos oferecer e a origem de quem somos. E essa é fundamental para uma utilização consciente da primeira.
Agora: também vejo muitas coisas que me incomodam: já vi gente utilizando muita coisa ao mesmo tempo agora pra contar. E acabava que a história ficava perdida. A pessoa queria aparecer mais que a história. Logo, a contação não acontece! Não houve troca, não houve afeto. Não se instaura uma espécie de paraíso que a história instaura na gente. Aí, quando vejo isso, sinto “puxa, que pena...!”
E sabe o que eu acho mais engraçado: é não perceber que se a história aparece, o contador automaticamente aparece junto. Mas isso é muito sutil, tem uma hora que você percebe. Não adianta ninguém apenas te dizer isso; tem que haver aquele click interno.

MN – Quem são os artistas desta área que você gostaria de citar aqui e o que te impressionou no trabalho deles?

TH - Puxa, Fracisco Gregório, Inno Sorsy e Boniface Ofogo: com eles aprendi a usar minha voz, a encontrar a Tatiana menina que queria juntar todo mundo pra contar coisas e causar efeitos nas pessoas sobre as coisas que ela conta. Também com eles, me sensibilizei a procurar minhas tradições internas. Porque minha família é daquele tipo brasileiro-cosmopolita: a gente não sabe muito bem de onde veio. Sabe os genéricos: português, italiano, indígena, africano. Mas de onde exatamente, qual é a etnia, nós não sabemos. Então sempre senti falta de ter histórias que foram contadas pra minha avó, que passou pra minha mãe e pra mim, entende? Então, decidi: Ah! Vou criar minhas tradições a partir de agora. Se sou cosmopolita, então o mundo é minha tradição! As histórias do mundo inteiro são minhas também, foram herdadas por mim. Vou escolher aquelas que tocarem o meu coração e pronto: tá aí meu baú, a minha tradição! (RS)

MN – O que a contação de histórias acrescentou para sua vida pessoal?

TH - Nossa, são tantas coisas! Profissionalmente, ele me deu ferramentas para trabalhar meu corpo esteticamente, me dando um caminho que, seja em Teatro, em Contação de Histórias ou em Educação, eu sigo sempre.
E pessoalmente, me fez ver o mundo com mais poesia, unir o lógico ao ilógico. E prestar mais atenção nas pessoas, nas suas histórias, no que elas têm a compartilhar. As histórias me ensinaram a ouvir a estar atenta. E isso é difícil pra quem vive nesse turbilhão que são os dias de hoje.

MN - Quem é Tatiana Henrique por Tatiana Henrique?

TH - A Tatiana Henrique é uma pessoa extremamente comum, que faz bico, fica de cara amarrada, sorri, chora, e que tem uma vontade profunda de deixar algo de positivo nesse mundo que acrescente uma visão, uma audição, um tato, um paladar, um olfato, diferentes do que a gente costuma ser ensinado que a gente tem de ter.
É uma pessoa que acredita que as coisas e as pessoas não são separadas em caixinhas, que tudo tem dimensões, camadas e que pra percebê-las só o tempo pode ajudar.
E que adora massagem nos pés!


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Veja o cineclipe com ela no youtube (clique aqui)

entrevistada por Jiddu Saldanha http://www.jiddusaldanha.com/ tel: 21 92485170