OBRIGADO POR SUA HISTÓRIA

quinta-feira, 17 de março de 2011

Entrevista com Laerte Vargas.

Tive o prazer de assistir Laerte Vargas contar histórias em 3 ocasiões, durante o "Simpósio Internacional de Contadores de Histórias". Sua forma de contar é simples, direta e impactante. Laerte é um mestre que estimula quem queira praticar esta arte milenar; através de suas oficinas e cursos. Nesta entrevista vamos conhecê-lo melhor.

Laerte Vargas é Contador de Histórias, Facilitador de Oficinas e Terapeuta Corporal.

Desde 1994, viaja o Brasil ministrando oficinas e prestando assessoria a grupos de contadores de histórias e programas de leitura. Atuou no Proler, Leia Brasil, Paixão de Ler e diversas Bienais do Livro, além da participação como especialista na arte de contar histórias em seminários e jornadas de leitura.

Ministrou oficinas e implantou núcleos de contadores nas empresas: Furnas, Sulamerica e Unimed-Rio.

Foi o fundador e dinamizador do Grupo Latão de Histórias da Comunidade do Morro Santa Marta.

Atualmente, coordena a Spaço dos Contos/RJ, o primeiro centro de formação continuada de contadores de histórias do Brasil.

Jiddu Saldanha - Como você iniciou sua carreira de contador de histórias?

Laerte Vargas - A primeira oficina de que participei já, de cara, me deixou muito instigado a continuar. Na verdade, ainda tinha o olhar do ator e o pouco investimento necessário para contar histórias me interessou mais como uma ferramenta profissional do que como uma opção de linguagem. Mal sabia eu que o bichinho do contar já havia me fisgado. Logo reuni um grupo de pessoas para que começássemos a contar e a formar um repertório. Felizmente encontrei algumas instituições que abriram as portas para o meu trabalho, que desde o início foi remunerado. Dessa forma, o ofício foi tomando cada vez mais espaço em minha vida e me deu retorno imediato para a compra de livros e impressão de materiais de divulgação. Trabalhei um ano direto com o Museu de Folclore Edison Carneiro, participando de festivais de contos populares, material que se tornou o grande nicho de pesquisa de repertório para mim. Depois disso, os convites se sucederam e não parei mais.

JS - Na tua opinião, existe alguma relação entre o fazer teatro e o contar histórias?

LV - Existe uma diferença que, para mim, é fundamental: o ator representa; o contador de histórias apresenta. Quando o narrador começa a se sobrepor à história e necessita de muitos elementos para evocar as imagens que ela suscita, aí deixou de ser contação e passou a ser outra coisa, bem diferente. Esse papo de contação teatralizada é conversa pra boi dormir. Sempre digo que contar histórias é um exercício de simplicidade e generosidade. Na maioria das vezes, os elementos cênicos são desnecessários, pois eles acabam engolindo a história e o pretenso contador, com sua vaidade exacerbada, vai passando como um trator por cima do conto. Assim, o que resta é apenas um exercício narcísico. É importante dar espaço para que os ouvintes criem suas próprias imagens: esse é um dos maiores trunfos da contação frente à tecnologia atual. A imaginação anda preguiçosa, pois tudo vem muito pronto e arrumadinho. A criança, principalmente, precisa muito dessa ginástica imaginativa.

JS - O que mais te inspira a seguir nessa carreira?

LV - Propagar a ideia de que qualquer um pode contar histórias. A espetacularização da contação tira essa possibilidade, dá a sensação de que só aquela tribo que cursou a escola “TAL” ou outro curso de teatro, que fez aulas com a fono da moda ou que fez um trabalho corporal mirabolante pode realizar. A intenção primeira das minhas oficinas é que todos saiam instigados a contar. Sempre existirão contadores para grandes espaços e contadores para pequenas salas. E todos eles são fundamentais à sociedade. Cada um com o seu tempo, o seu ritmo, o seu olhar único e inimitável. Contadores são como um oásis na aridez das relações humanas de hoje em dia.

JS - Cite algumas histórias que você considera fundamentais para o desenvolvimento humano.

LV - Todas as histórias tradicionais (a maioria oriunda da tradição oral) são fundamentais para o desenvolvimento humano. Basta investigarmos as entrelinhas. A primeira chamada do meu blog é: “Aqui as historinhas são coisa séria”. Acostumou-se a ver esse material como uma coisa descartável e/ou banal, mas elas tratam, em uma linguagem metafórica, dos percalços da nossa trajetória. Esses contos nos conduzem a reflexões profundas acerca das nossas decisões e padrões de comportamento. A vastidão desse material é impressionante: encontramos contos que falam de incesto, homossexualidade, compulsão, enfim, para cada questão do ser humano existe uma história curativa. Acho que a Clarissa (Pínkola Estés) disse alguma coisa assim.

JS - Como você vê o panorama da contação de histórias no Brasil de hoje?

LV - Existem profissionais que desenvolvem pesquisas primorosas, mas a contação virou uma moda que pode acabar transformando a arte de contar histórias em algo extremamente descartável como o batom da estação. Às vezes, quando recebo as programações dos seminários e encontros de contadores nos estados e municípios fico pesaroso, pois constato que os contadores de causo de cada lugar são muito pouco prestigiados. Preferem pagar passagem aérea, hospedagem e alimentação para o/a incrível contador/a de histórias que conta em parada de mão com uma banana enfiada no ouvido. Detalhe: ela conta de costas para o público. Cada estado tem um acervo riquíssimo de histórias populares e, certamente, tem quem as conte. E aquele jeito de contar que encanta é que é o jeito certo de contar. Que vivam e sobrevivam as diferenças!!!

JS - O que você recomenda para os jovens que queiram conhecer melhor esta forma de expressão artística e se profissionalizar?

LV - Ouvir muitas histórias e ler toda a obra dos irmãos Grimm. Ahhh, e não ter pressa nenhuma em se profissionalizar...

JS. Quem é Laerte Vargas por Laerte Vargas?

LV - Um menino que tem medo do boi da cara preta.

Para conhecer melhor o contador de histórias Laerte Vargas clique aqui

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sexta-feira, 11 de março de 2011

Moacyr Scliar por Edmílson Caminha

Conheci Edmilson Caminha na cidade de Itabira - MG terra do poeta Carlos Drummond de Andrade, nos anos 90 do século passado. Edmilson é um mestre da palavra e da oralidade. Um narrador autêntico em todos os sentidos. Um "Mestre Griot" no melhor estilo brasileiro! Em Itabira, todos nós, entre entusiastas e poetas ficávamos sempre por perto quando ele abria o verbo e tecia narrativas sobre os grandes escritores que o Brasil tem. Esta semana, recebi este belo texto em que Edmilson Caminha, comenta a entrevista que fez com Moacyr Scliar em 1987

O DERRADEIRO GALOPE DO CENTAURO

(Edmílson Caminha)

Em Moacyr Scliar, tão notável quanto o escritor ilustre era o ser humano digno, a pessoa ética, o cidadão exemplar que mereceu, ao longo da vida que lhe foi dada viver, o afeto dos amigos e o reconhecimento dos leitores. Entrevistei-o no ano de 1987, em Porto Alegre, quando me recebeu na Secretaria da Saúde, onde trabalhava como médico sanitarista. Publicada primeiramente no Diário do Nordeste, de Fortaleza, a conversa também se acha no meu livrinho Palavra de escritor (Brasília : Thesaurus, 1995). Em carta que gentilmente me enviou, o entrevistado faz elogios ao texto, e diz que providenciou cópias para entregá-las aos jornalistas e estudantes que o procuram.

À pergunta sobre como a condição de judeu se revelava em sua obra, Scliar respondeu, com a inteligência e o saber que todos admirávamos:

— Os povos da antiguidade legaram ao mundo grandes monumentos, como as pirâmides, os templos, importantes obras de arte; o povo judeu nada deixou a não ser um livro, mas um livro que condicionou o destino de milhões de criaturas neste nosso mundo. Essa veneração pela palavra escrita, pelo livro de maneira geral, na minha família era muito acentuada: embora pobres, nunca nos faltou, a mim e aos meus irmãos, dinheiro para comprar livros. Desde cedo fomos induzidos ao hábito de escrever, tanto mais que a minha mãe era professora primária, do próprio colégio onde eu estudava, e me estimulou muito a escrever. Além disso, no contato com os imigrantes ouvi muitas e muitas histórias interessantes.

Uma delas foi, certamente, a que lhe contou o pai José, imigrante russo chegado ao Brasil na década de 1920. Ouvi-a narrada por Moacyr no ano passado, quando juntos participamos da Feira do Livro de Guarulhos:

— A viagem de navio, longa e desconfortável, foi um pesadelo. Ao desembarcar com a família, a aparência daquele menino de oito anos devia ser péssima, pela pobreza dos trajes, pela fome estampada no rosto e pelo medo que lhe dava o país estranho em que punha os olhos pela primeira vez. Sensibilizado pela expressão de sofrimento, um homem se aproxima e lhe entrega... uma banana. Era o que podia oferecer, antes que o pequeno desfalecesse e fosse de encontro às pedras do cais. Ocorre que a generosidade trouxera um problema para a criança: que diabo de fruta era aquela? Como comê-la? Se fosse maçã, uva, pera, cultivadas nos campos da Rússia... Mas aquela coisa amarela, meio curva, que jamais vira nem desenhada em livros? José olhou, examinou e, afinal, decidiu: começou a descascá-la, jogou fora o que lhe pareceu um caroço meio mole... e comeu a casca!

Muitos anos depois, Scliar ouviria do pai a conclusão que lhe soava como a moral da história:

— Sabe que comer casca de banana não é assim tão ruim como a gente pensa? Até que dá pra engolir, principalmente quando se está com fome...

Essa, a experiência de vida e a sabedoria humana que o escritor converteu em ficção da melhor qualidade, a exemplo do romance O centauro no jardim. Em 27 de fevereiro, aos 73 anos, Moacyr Scliar, com a discrição e a elegância que lhe eram próprias, cavalgou pela derradeira vez o centauro, mito que tanto o fascinava, pois, metade homem e metade cavalo, é a um só tempo realidade e fantasia, as duas grandes matérias de que se faz a literatura. Partiu a galope rumo à eternidade, onde campeará para sempre nas coxilhas celestes, um suave e luminoso pampa que não tem começo nem fim...