OBRIGADO POR SUA HISTÓRIA

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Bárbara de Castro - entrevista exclusiva.

Foram alguns poucos momentos em que eu e Bárbara de Castro (ou Bárbara Tracajá, Bárbara do Amapá, Bárbara Vento... tantos nomes viscerais) nos cruzamos pelo cotidiano artístico do Rio de Janeiro, mas desses encontros permaneceram a troca de afeto e respeito. Com o tempo fui percebendo estar diante de uma narradora. Uma atriz que sabe lidar com as nuances dos silêncios e sons das palavras. Segue aqui este bate papo com ela.

Bárbara de Castro                         
Atriz, diretora, produtora cultural, arte educadora,  fundadora do grupo musical Paideguará. No teatro, participou da Semana Cultural em Caiena, Guiana Francesa.  Cursou a Escola de Teatro Martins Pena e o Instituto Tá Na Rua, sob direção de Amir Haddad, no Rio de Janeiro. Atuou e participou da criação do roteiro do espetáculo Dar Não Dói, O Que Dói É Resistir, apresentado nas Lonas Culturais do Rio de Janeiro, no Circo Voador e no Largo da Carioca. Atuou nos espetáculos: O Castiçal – Giordanno Bruno - Teatro Carlos Gomes (RJ). No cinema atuou em Cleópatra, longa de Julio Bressane; República Tiradentes, de Zózimo Bulbul;  Ou ficar a Pátria Livre, de Silvio Tendler; Operação Morengueira, de Godô Quincas e Chico Serra; dirigiu Pistoleira da Liberdade, lançado no Femina 2011, no Cine Odeon. Recentemente, recebeu o prêmio Interações estéticas da Funarte com o projeto Diário Tucujú, em que coordenou oficinas de teatro e vídeo performances no MIS/AP. 


Concentração xamânica no universo da Performance!
Jiddu Saldanha – Que diferenças básicas culturais você percebe que existe entre os brasileiros do sudeste e os da Amazônia? Como foi pra você se adaptar a essas diferenças?
Bárbara Castro - O norte é quente! As pessoas sãos quentes, a maneira de vestir, falar, comer,é toda uma mistura de muitos lugares. A Amazônia apresenta um quadro de esperança e teme a muitas batalhas políticas! O sudeste porém tem suas peculiaridades e suas belezas entranhadas na história. Cheguei no Rio em pleno carnaval e senti um choque de realidade, afinal nunca tinha visto o carnaval da "globeleza" tão de perto.
Na região norte o povo assiste Tv assim como assiste a própia vida!
Existia em mim um pouco desse deslumbre nortista, em que tudo que se ver nas telas é o real, esse deslumbre foi sendo quebrado a cada dia. Conheci o grupo Tá na Rua quando tinha apenas uns 15 anos e ai logo logo percebi do q se tratava a verdadeira realidade, do povo, do país, das questões sociais e culturais...isso me interessou! Pude participar também de algumas novelas, mini series, e filmes através do grupo. Contribuindo e me distanciando cada vez mais da ilusória dinâmica da Tv para uma possível e nova arte através do cinema e do teatro. Nada me trazia tanto prazer quanto o contato nas ruas com  trabalhadores das artes e de outros ofícios...desenvolvendo oficinas em lonas culturais, escolas públicas, teatros e praças. isso tudo fez com que eu pudesse vivenciar e assistir essas diferenças de culturas tão próximas e tão distantes ao mesmo tempo.

JS – Você considera que as pessoas nascem artistas ou se tornam? No teu caso, o que é mais provável?
BC - Todas as pessoas  nascem artistas, algumas reconhecem antes!
Nasci em Altamira no Pará e aos 10 anos de idade fui com minha família  morar em Macapá, no Amapá.  Lá estudei e conheci a arte de fazer teatro desde de muito pequena já havia sido tocada pelo circo e pela música, vindo de família nordestina sempre de olhos e ouvidos abertos a cancioneiros e cantigas populares. Meu pai seu Chico Rocha  Através da sua jornada de trabalhador brasileiro autônomo e artista, sempre incentivou a arte  a seus quatro filhos .Eu aprendiz dele e dos mestres que a mim se apresentavam pude observar que a arte num país como o Brasil é algo intrínseco, está relacionado ao nosso "Macunaimismo" a nossa preguiça é alegre e nessa alegria há muita música e improviso. Nesse país ser artista é algo independente das nossas escolhas!


No palco.
JS – Fale um pouco da tua experiência como atriz, diretora e narradora como foi que você juntou essas formas artísticas?
BC - "Melhor do que ser atriz é ser humano" Tive uma longa caminhada pra descobrir essa frase. Achava que tinha algo no artista de especial, e tem, mais é algo tão igualitário que não depende somente dele. Vai muito além dos personagens e personas...
Depois de encenar, criar e desenvolver-me como atriz fui em busca da raiz. Essa raiz mostrou-me novos rumos de pensar a arte. Assim tive a oportunidade de conhecer no interior da Bahia os Griôs e contadores de historia, que já havia conhecido no Amapá através dos mestres do Marabaixo , uma verdadeira universidade do saber oral. Essa nova fase  expandiu o poder de comunicação e as potencialidades da arte em mim. A partir daí tive mais autonomia de poder cantar os poemas que escrevia e as músicas do norte. Criando assim o grupo musical Paideguará composto por artistas  nortistas  que através da musicalidade amazônica puderam expandir seus trabalhos e realizar uma interação verdadeiramente  brasileira. Pude juntar o velho Griô ao novo olhar através da música que é a grande linha de todas as artes!

JS – Como você vê o Brasil hoje em relação a quando você começou a viajar, as coisas mudaram pra melhor? Você sente que tivemos mudanças na vida artístico-cultural?
BC - As mudanças são grandes, o Brasil deixou de ser o país do futuro pra perceber que é o próprio presente terrestre. Acredito que de uns 10 anos prá cá o Brasil era um anão que se levantou. Era um país subdesenvolvido, que acordou. Artisticamente temos novos caminhos.
Os pontos de cultura são meios de interligar esses artistas e essas redes sociais, a lei Griô nacional tbm é uma esperança. Se estivermos mais atentos para essas novas caminhadas das artes podemos nos organizar melhor e deixar de egoísmo.
Atualmente sinto que cada um tem seu projeto debaixo do braço e corre atrás do edital, e tem que conhecer alguém influente ou algum diretor que assine seus trabalhos. Por que não nós mesmos ? pq ainda estamos no cabresto? Essa mudança não depende somente dos artistas, mas do governo. Isso infelizmente ainda acontece, assim como paralelamente tbm acontecem bons festivais, bons encontros e grupos que se organizam e de alguma forma gradualmente ajudam romper artisticamente com o poder e suas falcatruas. As vezes é mais teatral a busca da grana do que da própria arte.


Cinema: Cangaceira Pistoleira.
JS –  Você acha que o brasileiro do sul e do sudeste tem informações claras do que acontece, de fato, por lá? Essas informações não são distorcidas? Como você vive esta realidade no seu coração?
BC - Quando cheguei no Rio de Janeiro me perguntaram:
- Você é da Bahia?
- Não! eu sou do Pará.
- AH! Sabia que era por alí por perto!
Percebi que realmente  muitas pessoas não tem consciência de tão imenso que é o nosso país e a sua diversidade cultural chega a ser  muitas vezes mágica. Só pude enxergar a Amazônia de outro prisma quando saí dela. o Brasil são vários países. Pode-se encontrar cidades ao lado que tem uma vegetação, um modo de se alimentar de falar de andar de abraçar de dançar completamente diferente um do outro. Nós não temos esse olhar aberto pra percebermos  os valores que temos, as potencialidades encontradas em nossos riquezas naturais são primordiais ao planeta, e principalmente pro desenvolvimento do Brasil e de nós brasileiros que aqui estamos. Um estado como o Pará  que é um pulmão  no meio da Amazônia,  tanta  energia eólica e solar, e cada vez mais são  hidréletricas que se espalham desviando rios e o destino de etnias nessa região.

JS – Quem são os artistas que te inspiraram e que você troca no sentido de ampliar e intercambiar o teu saber pessoal?
BC - Gosto dos Cineastas surreais,  dos atores com encanto cênico, dos diretores generosos, dos poetas sombrios, dos professores arteiros. Os que mais me inspiram são aqueles que mostram um pouco de dentro, do mundo do artista para  o universo, sua arte é universal, aqueles que lutam como operários não somente como artistas. Cantam não somente para as gravadoras, programas, rádios ou shows, mas cantam para as estrelas, gosto dos conectados, aqueles que estão a beira de um novo verso na simples contemplação da noite. A Inspiração é a chama da vida, sem ela a arte se repete! E a vida morre!
Cada vez mais o intercambio da arte popular com os novos artistas vem trazendo a tona um olhar ancestral, a ciranda,o religare. Durante um bom tempo eu achei que os atores não precisavam mais dos diretores, que a cada dia ficavam mais velhos e repetitivos.
Tive a oportunidade de trabalhar com alguns grupos jovens de teatro que dependiam não somente da direção mas da harmonia dos atores e seus egos livres na criação, realmente não me senti bem! Entrava e saía desses grupos assim como uma aluna que não se adapta a escola particular. Me sentia velha! Sentia uma enorme saudade dos dinossauros do teatro, dos mestres, dos anciões , dos coroas...enfim da sabedoria vivida, do ego lapidado pelo tempo. E agora me encontro nessa busca quase espiritual da arte, voltei a assistir o Zé Celso, Amir Haddad e até Boal tive a oportunidade de conhecer e aprender bastante, interagindo meu saber pessoal ao do mundo inteiro através da prática e da oralidade desses mestres.

JS – O que você diria para os jovens que estão iniciando uma vida artística hoje? Que sugestões de repertório, etc...
BC - "Te Liberta" é a frase que digo a todos os jovens de todas as idades...
Existe no mundo de hoje muitos "jovens velhos" que se sentem os donos da verdade, acham q pintar a cara ou tirar a roupa já é uma grande performance, usar objetos cênicos de época, falar outras línguas, apagar a luz, comer coisas estranhas em cena , sofrer, se debater, agredir, se melecar,intrigar,sentir dor,chocar, enfim tudo! menos interagir! Estes estão todos equivocados!
Essa pseudo nova arte está matando o ato de Atuar ... A arte é ampla, mas nela cabe a leveza da ligação, a sagrada ligação do circo místico, etéreo e uno. Já vi muitos jovens dizendo:  "ah o público não precisa entender"!
Aquilo me dava uma aflição!
Como se o público fosse uma cobaia do ego do ator que não dá o devido valor a grande ciranda dessa missão artística. Mal sabem eles que o público sabe e ver sempre mais do que o próprio ator, que nada mais é do que um místico, um doutor das almas.

JS – Quem você gosta de ler, o que você lê? O que você recomenda para leituras?
BC - Gosto muito dos poetas! Drummond, Bandeira e Gullar E delas ... Adélia Prado, Clarisse Lispector, Cecília Meirelles e Florbella Espanca. Do mais curto ler bastante: Berthold Brecht, Jairo ferreira, Abdias do Nascimento, Josué de Castro, Eduardo Galeano,Gabriel García Marquez, Jorge Amado,Graciliano Ramos, Oswald Andrade, Carlos Castaneda.
Gosto muito do poder de síntese das charges.
Minha leitura é um pouco solta nas coisas que vou sentindo e vivendo. As vezes leio a bíblia e acho um pouco machista aí páro, depois retomo novamente. Deus sempre me atraiu! Descobri o mundo do Atlantes, fiquei fascinada! Também ganhei um livro muito bom, Tagore traduzindo o poeta Kabir, adorei! Atualmente estou numa onda das Ciências Sociais, história, geografia, astronomia e física. Descobri que não sabia nada do que eu achava que sabia. Meu mundo caiu e eu gostei! Pelo menos quando caiu eu tinha um livro nas mãos.
"Ler é a melhor maneira de escrever"

JS – Quem é Bárbara Castro por Bárbara Castro?
BC - Depois de  assistir pela terceira vez o espetáculo "Os Sertões de Euclides da Cunha", através do Grupo Oficina ..recebi este poema! ( com todo respeito ao grupo e ao Zé)…

EVÓ AN?
Olhei para Dionísio
e disse ...Precisa tudo isso? Acalme-se
Naquele momento concordava eu com Penteu.
Jamais me imaginei cansada dele...
Mas na real os atores gastam seu Deus...
Agora há um Deus
exausto de ser chamado em vão
Em nome de um vinho barato
E de orgias que contemplam flashs e egos...
Quero eu o bonde das parteiras...
O exército da jurema...
A macumba carioca da gema Bahia
E digo não aos balangandãs contemporâneos cheios
de petrobrás quando descem as cortinas...
Que venham os novos...que nasçam gregos ...ou paraíbas
mas do útero virgem...
Limpe meu pensamento!
E Perdão senhor Deus do vinho
...Eu me retiro...
antes que me apunhale com seu bastão...
Bastão ...a muito tempo ...sagrado...
Hoje...imaginado na superfície
de homens comuns que juram serem DEUSES
por estarem microfonados...

(Bárbara Castro) 


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Grupo Paidéguará...


Hoje é Dia de Maria.



3 comentários:

  1. A arte que pulsa e emana de Bárbara é tão necessária pra mim...e sinto que ela é necessária pro mundo inteiro também...é forte, intensa, verdadeira, tem raiz...floresce, pois vem da vida inteira que ela coloca diante de nós. Grande atriz, artista potente no mundo...Axé, Bárbara, axé!!!!!!!
    Karla da Silva

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  2. É incrivel como a Barbara nao cabe dentro si, precisa o mundo mesmo pra começar o barato! Tenho orgulho dela, e acredito mesmo no potencial dela como atriz, cantora e agitadora cultural! O Amapa se orgulha dessa grande artista!!! Bjs

    Otto Ramos
    CUFA
    circuito Fora do Eixo

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