Conheci Herbert Emanuel, em 1991, na primeira edição do Congresso Brasileiro de Poesia, em Nova Prata - RS, onde, convivemos com a nata da literatura alternativa brasileira. Encontro inesquecível com Alice Ruiz, Oscar Bertoldo, Leila Miccolis, Mário Pirata, Helio Leites, Paco Cac e tantos outros. De lá pra cá, "muita água passou por debaixo da ponte", e cultivamos uma amizade que completou 30 anos, em 2016. Herbert aceitou o convite para dar sua palestra no POESIA DE CENA 2016. E que será, também, assunto da mesa de bate papo com intelectuais locais de Cabo Frio, será um grande momento para nós.
Herbert Emanuel, poeta e Filósofo, ao lado de Jiddu Saldanha, sua companheira Adriana Abreu, o jovem ator Danilo Tavares e a Atriz Karol Schittini, em Sta. Tereza, Rio de Janeiro - 2016. |
POESIA: PAIXÃO (TESÃO) DA LÍNGUA
Pra início desta conversa (ou
desconversa) fiada, que se fia, se desfia, se ata e se desata, eu desejo que
esta seja uma viagem de língua na linguagem
ou um banquete de palavras, suculentos pratos de palavras, (ADRIANA RECITA QUE BELA SOPA) para a
nossa “saboração”. Saboração é uma palavra inventada, palavra-valise, pois traz
dentro de si (pelo menos, tem essa pretensão) o saber, o sabor e sedução:
saboração.
(RECITAR O POEMA SABORAÇÃO)
Lewis Carrol, matemático e poeta inglês,
autor de “Alice no País das Maravilhas”, foi um grande inventor de
palavras-valise: gritos+silvos= grilvos; grama+silvos= gramilvos (na tradução
de Augusto de Campos do seu “Jabbrwocky”, Jaguardarte). James Joyce, leitor de
Carrol, também: fumante+furioso= fumiroso. Entre nós, Souzândrade, poeta
maranhense redescoberto pelos irmãos Campos, com suas palavras-montagem:
“jubilogritantes”, “algaverdecomados”, “escamiventreprateados”. Leminsk, em sua
poesia-prosa-caoscósmica chamada Catatau nos fornece outro exemplo:
“calverdáver”, “contagotagiosas”. Há umas palavras-valise deliciosíssimas do Caetano
Veloso:
(INTERLOCUTOR)
Nada dessa cica de palavra
triste em mim na boca
Travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca
Neca desse sono de nunca jamais nem never more
Sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó
Crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:
Travo, trava mãe e papai, alma buena, dicha louca
Neca desse sono de nunca jamais nem never more
Sim, dizer que sim pra Cilu, pra Dedé, pra Dadi e Dó
Crista do desejo o destino deslinda-se em beleza:
Outras palavras
(HERBERT)
Parafins, gatins, alphaluz,
sexonhei da guerrapaz
Ouraxé, palávora
Lambetelho, frúturo, orgasmaravalha-me, felicidadania:
Ouraxé, palávora
Lambetelho, frúturo, orgasmaravalha-me, felicidadania:
(INTERLOCUTOR)
Outras palavras
Na verdade, eu
desejo que esta conversa seja uma grande brincadeira - brincadeira com a
matéria-prima da poesia: as palavras, pois fazer poesia é, de certo modo,
molecar com as palavras; portanto, brincar, “descobrir a infância em nós”.
(INTERLOCUTOR RECITA O POEMA DE
JOSÉ PAULO PAES)
O meu objetivo aqui
é estabelecer um di-álogo poético, que é ao mesmo tempo, no dizer do poeta
mexicano Octávio Paz, um acordo e um acorde, pois pressupõe a cumplicidade de
vocês, mas é também melos, no sentido que os gregos davam a esta palavra, que
significava ao mesmo tempo canto e encantamento. Música, portanto, para ouvidos
atentos. (ADRIANA RECITA FALSA BALADA
TOSCANA).
Música, melodia,
canto, encantamento. O que é a poesia?
(INTERLOCUTOR RECITA O POEMA A
PALAVRA EM PONTO DE
POEMA )
Eu diria que é o
exercício de uma paixão especial: a paixão pela linguagem.
O que é uma
paixão? (ADRIANA RECITA ISMÁLIA) Comecemos
pela etimologia. Os gregos tinham duas palavras “paixão”: uma que significava
“sofrimento”, “fixação”, “obsessão”, era a palavra páthos. (não é comum
dizer-se de uma pessoa apaixonada, que está sofrendo, sofrendo de amor? a
paixão –pathos- tem dessas coisas: nos deixa meio paralisados, meio patéticos).
Aí entra a outra palavra paixão: é
timos. Timós, para os gregos, significava “coragem”, “força”, “ânimo”, (pois
timós também pode significar “fumaça”, “sopro”, “vento”, mesma raiz, portanto,
da palavra anima, animus). Neste sentido, a paixão também é impulso para fazer
algo, é ação, movimento. Pensar o movimento das coisas foi a paixão dos gregos.
Voltando a pergunta: O que é paixão? Eu diria que é o interesse exacerbado,
obsessivo, corajoso e desmedido por algo: homem, mulher, planta, bicho, poema.
A
poesia é exatamente esse interesse exacerbado, obsedante, corajoso e desmedido
pela linguagem. É páthos e timós ao mesmo tempo.
Mas o que é a linguagem?
(INTERLOCUTOR RECITA O POEMA DO MÁRIO)
Diz o filósofo alemão, Heidegger, que a
linguagem é a “morada do ser”; é o lugar, o local, o manancial onde o “ser” se
desvela, se revela, vem à tona, isto é, passa a existir. O homem, o mundo e
todas as coisas só existem através da linguagem. Como entender o homem, o mundo
e as coisas, sem chamá-los de “homem”, “mundo” e “coisas”?
(INTERLOCUTOR RECITA NIETZSCHE). Ou como diz Octávio Paz:
“A palavra é o próprio
homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos,
o único testemunho de nossa realidade. Não há pensamento sem linguagem, nem
tampouco objeto do conhecimento: a primeira coisa que o homem faz diante de uma
realidade desconhecida é nomeá-la, batizá-la”. E também erotizá-la.
(INTERLOCUTOR RECITA O POEMA DESDE
DENTRO DA UMIDADE DA PALAVRA À UMIDADE DO TEU SEXO RECLAMA MINHA LÍNGUA.
Se a poesia é a paixão da linguagem, e a
linguagem é a “morada do ser”, como disse Heidegger, é evidente que o poeta
(poiétes) é o sujeito dessa paixão e é aquele que habita plenamente essa
“morada”. (INTERLOCUTOR RECITA O POEMA A
CASA)
Na verdade,
todos nós habitamos a linguagem, posto que a utilizamos cotidianamente para
fins de comunicação. A maioria das vezes é um uso pragmático. Agora, habitar
plenamente é outra história. Habitar plenamente é perfurar este manancial, que
é a linguagem, fazendo jorrar a “palavra dizente”2, o pulso das
palavras, como disse Maiakóvsky:
Sei o pulso das palavras, a sirene das
palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros (herbert)
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro.
Às vezes as relegam inauditas, inéditas (herbert)
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia. (herbert)
Sei o pulso das palavras, parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios, alma, carcaça. (herbert)
Não as que se aplaudem do alto dos teatros (herbert)
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro.
Às vezes as relegam inauditas, inéditas (herbert)
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia. (herbert)
Sei o pulso das palavras, parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios, alma, carcaça. (herbert)
Fazer jorrar a “palavra dizente”
significa dizer o essencial. Dizer o essencial é justamente dizer o não-dito, o
que escapa à rotina dos clichês, ou dizer o já dito de outra forma, (INTERLOCUTOR RECITA O POEMA COMPOSIÇÃO
ESTRANHA) inventando para as palavras já gastas, corroídas e enferrujadas
novos relacionamentos, nova sintaxe. (INTERLOCUTOR RECITA MANOEL DE BARROS)
Só o poeta é capaz disso, dessa
“residência poética”. “Rico em méritos, é, no entanto, poeticamente que o homem
habita esta terra”, afirmava o poeta alemão Hölderlin. Habitar a terra,
ressignificando-a. Há aqui uma responsabilidade ético-estética com a linguagem.
O bom poeta torna a língua mais rica; o mal poeta a empobrece. Pois “a poesia é como a lavra do radium, um ano para cada grama – para
extrair uma palavra, milhões de toneladas de matéria-prima”, já exigia
Maiakóvsky. Poesia é linguagem elevada à enésima potência de significação.
Neste aspecto, vale citar o poeta Manoel de Barros, que expressa num único
verso esta função precípua do poeta e da poesia: MINHOCAS AREJAM A TERRA; POETAS,
A LINGUAGEM.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAin que ótima a sensação de deparar-me frente à frente com esse texto "sempre velho novo rito da criação" e reconhecer que o love continua tesudo! A paixão-tesão que ele sente pela Poesia só se aprimora, é kama sutra!
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